A Bahia, embora muitos
desconheçam isso, é detentor do maior território sertanejo dentre os
estados nordestinos.
Muito
mais que isso, o seu território, excetuando-se a faixa litorânea, o
recôncavo e a pequena área de exploração mineral, é majoritariamente
sertanejo e sofreu e sofre influência deste. O território sertanejo da
Bahia é mais ou menos equivalente à soma dos outros oito estados do
Nordeste.
Na
literatura que objetiva aprofundar conceitualmente as noções de cultura e
patrimônio, muitos estudiosos e técnicos advogam a relação intrínseca
existente entre território e patrimônio cultural. Isso significa
reconhecer que onde há território e gente habitando há repertórios
culturais.
Esta
concepção, entretanto, histórica e politicamente, nunca foi levada em
conta em nosso estado e no resto do Brasil. E está ainda longe, em pleno
século XXI, de ser considerada. Especialmente na Bahia onde, fruto da
colonização, preponderou uma espécie de cegueira que leva a uma tirania
que, reconhecendo só o seu passado colonial em torno da Baía de Todos os
Santos – uma área mínima do seu território –, despreza-se o seu maior
território cultural: o sertão.
É
nessa breve e superficial contextualização que se insere a situação da
cultura sertaneja. Desconhecida. E, portanto, rejeitada, desconsiderada,
excluída, desrespeitada e tratada de forma preconceituosa, inclusive,
dentro dos equipamentos do próprio Estado, a quem caberia cuidados e
políticas públicas voltados para seu reconhecimento.
É
preciso relembrar que, exceto o período de 1983/90 – coincidentemente
quando sertanejos estiveram à frente do governo da Bahia e da sua
Secretaria da Educação e Cultura – historicamente, os órgãos
governamentais responsáveis pela condução da política cultural do estado
da Bahia nunca incluíram de forma sistemática ações voltadas para a
cultura do sertão – sobretudo seu patrimônio imaterial. É como se não
existisse. Como se não fosse, a cultura sertaneja, baiana. Sem as
iniciativas – mais visivelmente a partir dos anos sessenta – de alguns
criadores dos campos da literatura, do cinema e das outras artes, menos
ainda saberíamos, como nada ou quase nada saberíamos de Canudos sem a
obra de Euclides da Cunha.
Em
1983, no governo João Durval, com o apoio do secretário da Educação e
Cultura, Edivaldo Boaventura, e do então Diretor do Instituto do
Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia – IPAC, Benito Sarno, a partir
da re-conceituação (Qual o seu objeto?) sobre qual a missão deste órgão
responsável pela política voltada para o patrimônio cultural do estado,
um grupo de técnicos inseriu o IPAC, que estava voltado apenas para o
patrimônio material, numa nova perspectiva: dentro de sua alçada e
competência passa a constar a instância de cuidar do patrimônio
intangível, incorpóreo, hoje mais conhecido como patrimônio imaterial.
Algo para a época até certo ponto vanguardista, considerando-se que a
Constituição Federal só veio a tratar disso em 1988, e mesmo a sua
aparição em Cartas e Convenções de organismos internacionais voltadas
para o patrimônio é também recente.
Com
isso, a Bahia, como disse, entre 1983/90, é dos primeiros estados,
senão o primeiro, a tentar trabalhar sistematicamente com a cultura
imaterial dos seus não pertencentes e discriminados1: índios,
vaqueiros etc. que vivem nas brenhas, fora do neon do entorno de sua
capital. São os “jeca”, “tabaréu”, “sertanejo”, “rude”, “matuto“,
“roceiro”, “grosseiro”, “povo sem cultura”, “analfabeto”, “caipira”,
“capiau”, “nordestino”, como eram e são ainda preconceituosamente
denominados.
De
forma sucinta, é assim que a política cultural da Bahia, no que concerne
ao seu patrimônio, tenta ampliar seus horizontes e começa a se
estender, para além do que se convencionou chamar e entender como seu
Centro Histórico (Pelourinho e adjacências e, quando muito, ações
pontuais em Cachoeira e Lençóis, com apenas pedra e cal), a todo o
estado da Bahia com diretrizes, inclusive, destinadas ao registro e
salvaguarda do seu patrimônio imaterial.
Com
este foco, dois projetos foram pioneiros: o projeto ‘Bahia: raízes
indígenas’ (1984) e o projeto ‘Histórias de Vaqueiros: Vivências e
Mitologia’ (1985/90). Aquele, em convênio IPAC / Instituto Nacional do
Folclore / Universidade Federal da Bahia, através do seu Museu de
Arqueologia, dirigido então pela antropóloga Maria Hilda Baqueiro
Paraíso. E este através do IPAC2, com o apoio do
Dese(m)nbanco, através do seu presidente Raimundo Moreira, e, na sua
segunda etapa, com a participação, dentre outros, da Fundação Banco do
Brasil.
O
projeto Histórias de Vaqueiros: Vivências e Mitologia inicia o mais
abrangente e sistemático estudo jamais feito na Bahia e no Brasil sobre o
vaqueiro – o protagonista, representante e símbolo maior da cultura
sertaneja, – e seus repertórios.
Entre
1990/2006, mais uma vez não alcançada pelas diretrizes da política
cultural da Bahia voltado para o patrimônio, a pesquisa sobre os
vaqueiros da Bahia só pôde continuar através de esforços
pessoais. Entre 2007/10, na gestão do secretário Márcio Meireles e com o
apoio do Conselho Estadual de Cultura, cujo presidente na época era o
hoje Secretário de Cultura Prof. Albino Rubim, tivemos a oportunidade de
convencer os pares sobre a urgência, a necessidade e o quão
determinante era se olhar para a cultura sertaneja. O apoio foi unânime.
Em
alinhamento com universidades e pessoas vinculadas à cultura sertaneja,
foram formatados, nesse mesmo período, os projetos do Centro de
Referência do Sertão do Estado da Bahia – CERES e do Espaço Cultural
Universitário do Sertão – ECUS. Ambos aguardando sua concretização.
Daí,
com o estímulo do museólogo Mateus Torres, dirigente do setor de
Patrimônio Imaterial do IPAC, e das ações em curso, através do Conselho
Nacional de Política Cultural – CNPC, buscando a aprovação na Câmara de
Deputados do reconhecimento da profissão de vaqueiro, foi encaminhado ao
IPAC, em três de maio de 2010, ofício solicitando o Registro do Ofício
de Vaqueiro – seus saberes e fazeres – como patrimônio cultural
imaterial da Bahia.
Não
obstante a disponibilização e o apoio dado no sentido de que o dossiê
sobre o pedido ficasse pronto em prazo hábil para buscar sua aprovação
em votação no CEC, ante a impossibilidade do órgão de dispor de técnicos
que pudessem elaborar o referido dossiê (peça necessária para ir a
votação) e a eminência de finalização daquela gestão do CEC em 2010 e
ainda considerando a informação veiculada pela imprensa de que não
haveria mais naquele ano por parte do IPAC nenhum registro de patrimônio
imaterial a não ser a conclusão do Registro da Festa de Santa Bárbara,
não nos restou outra alternativa: em cinco dias corridos o dossiê sobre
o Ofício de Vaqueiro foi elaborado.
Após
ser encaminhado em caráter de urgência ao Gabinete do Secretário Márcio
Meireles, foi imediatamente levado ao Conselho Estadual de Cultura da
Bahia, em sua penúltima sessão plenária, no dia vinte e quatro de
novembro de 2010, sendo apreciado pela sua Câmara de Patrimônio e, na
mesma tarde, pelo Pleno da Casa, obtendo aprovação por unanimidade. Com a chancela do CEC, o Ofício de
Vaqueiro passa a ser reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da
Bahia. O decreto governamental é publicado no diário oficial em dez de
agosto de 2011. Em Feira de Santana, em seis de maio de 2012, com a
presença de cerca de cento e trinta vaqueiros de vários municípios da
Bahia, na abertura do evento Celebração das Culturas dos Sertões, é
realizada, finalmente, a cerimônia de inserção do Ofício de Vaqueiro no
Livro do Registro Especial dos Saberes e Modos de Fazer.
Tal
fato, de inegável relevância, propiciou à Bahia ser o único estado da
federação a fazer o Registro de um Ofício de Saber: o Ofício de Vaqueiro
– seus saberes e fazeres – como Patrimônio Cultural Imaterial.
Imperativo, ainda, destacar, que já foi encaminhado ao IPHAN o pedido
para que este Ofício seja também reconhecido como Patrimônio Cultural
Nacional.
É a
tentativa de se iniciar um reparo histórico com aquele que fora a
figura de proa do maior fenômeno sócio-cultural para formação do
território da Bahia e de várias regiões do país; para com aquele que é o
homem primevo a conviver com os agrestes e as caatingas nas amplidões
do sertão, constituindo o sopro inicial urbano com a fixação do primeiro
mourão e o estabelecimento dos primeiros currais e depois casas de
fazenda.
O
boi, como também o cavalo, ocupa o imaginário humano desde antes da sua
domesticação, cerca de sete mil anos a.C. Ou mesmo remonta à Idade da
Pedra Lascada ou ao começo da Pedra Polida, quando foi iniciada a
domesticação do cachorro. E desde a antiguidade em vários países o boi
aparece como signo zodiacal, representação divina no Egito ou sagrada na
Índia, entidade totêmica dos Bantus na África, em Creta e na Espanha.
No Brasil, sua imagem está vinculada ao início da colonização como força
motriz para mover os engenhos dos canaviais e logo aparecerá em nossos
presépios, como nos indica pesquisas de Oswald Barroso, Sebastião Ponte e
Margarita Hernández.
Na
Bahia, no Nordeste e outras regiões do país, a figura do boi associada à
sua relação com o vaqueiro deu origem a uma legião de seres misteriosos
e encantados que estão presentes nas melopéias e aboios dos vaqueiros
na comunicação com o gado e em sua tradição oral. Na Bahia suas
variantes são Bois e Vaqueiros Misteriosos, Bois Ideados e com Maçãs,
Gritador, Pé-de-garrafa, Caminheiro... mitos do mundo sertanejo, que
servem de inspiração aos vaqueiros, poetas populares, cantadores de
feiras, repentistas, dentre outros, e compõem o universo fantástico,
religioso e supersticioso, místico e mítico da cosmologia do homem
sertanejo.
Sobre
a chegada da primeira leva de gado na Bahia, alguns indicam 1549,
outros 1550. Mas a cartado governador Tomé de Souza ao rei de
Portugal em 18 de junho de 1551 (Faria, 1969: 12) não precisa, mas
informa que acontecera mesmo antes de 1551. O registro de pagamento a um
homem pela sua lida com o gado confirma que já havia aqui um homem
trabalhando como vaqueiro desde 1549. Não foi na Bahia que desembarcou a
primeira leva de gado a chegar ao Brasil, trazida pelos portugueses em
suas naus, vinda do Alentejo, das Ilhas Canárias e do Cabo Verde, porém
tem-se informação oficial de que aqui se efetuou o primeiro pagamento a
um homem pela sua labuta com o gado. Foi Pedro Gonçalves D’Alpendrinha
que recebeu, em agosto de 1549, do governo Thomé de Souza, trezentos e
trinta réis pelo seu ofício, podendo assim ser legitimado e considerado o
primeiro vaqueiro entre nós.
As
primeiras cabeças de gado que chegaram ao Brasil aportaram em São Paulo
(São Vicente), em 1534, e em Recife, em 1535, segundo nos informam
Oswald Barroso, Sebastião Ponte e Margarita Hernández. E em 1549
desembarcaram na Bahia, na península itapagipana, região plana e com
vegetação de pastagem.
A
partir daí, o território da Bahia é inundado de gado tendo à frente o
trabalho do vaqueiro. Como dizem Luiz Alberto Moniz Bandeira, em o Feudo,
e Eurico Alves Boaventura, em Fidalgos e Vaqueiros, as
boiadas, passando pelo sertão da Vila Velha (hoje o bairro da Barra, em
Salvador), pelo sertão do Rio Vermelho, hoje bairro do Rio Vermelho,
indo por Itapuã e alcançando Tatuapara (hoje Praia do Forte, no
município de Mata de São João), onde foi construída a fortaleza de
Garcia D’Ávila, deram origem ao maior latifúndio de que se tem notícia
entre nós, que vai da Bahia ao Piauí/Maranhão, com uma área equivalente a
de vários países atuais da Europa.
Nosso
vaqueiro é figura central, centrípeta e centrífuga a um só tempo, dessa
expansão/ocupação e estruturação sociocultural realizada pela pecuária
extensiva no ciclo do couro, que se inicia em meados do século XVI e vai
até o inicio do século XX, quando aparece o arame farpado. É uma
espécie de campeador de aparência medieval a encher o imaginário popular
com sua riquíssima tradição oral: histórias de bois ideados e
encantados, concepção de mundo, religiosidade, crença fatalista e
redentorista, sincretismo e superstições.
Esse
percurso físico e também temporal exigiu dos vaqueiros a criação de
saberes e fazeres, equipamentos, técnicas, procedimentos que
possibilitaram o desbravar do meio inóspito das caatingas, matas,
agrestes, cerrados, chapadas e planaltos, o estabelecimento de vida
sociocultural no sertão, e em coexistência (quase sempre não pacífica)
com os índios lá existentes.
Fruto
da miscigenação, o vaqueiro é índio, negro e branco. É o primeiro
baiano no sentido amplo, isto é, de abrangência estadual, que fincou o
pé em todo estado da Bahia. É o caboclo, brasileiro genuíno, de primeira
cepa, como defendia Darcy Ribeiro. As agruras do seu ofício e o sol
causticante do sertão lhe talham no rosto e no corpo os sulcos que a
seca impõe à terra sertaneja. É um homem vestido de couro e com a cara
da sua terra.
Cabe
a ele tomar conta e dar conta. Cuidar, dominar e proteger o gado, a
quem confere a existência de alma e inteligência (“astuça”) igual aos
humanos. A presença quase sempre tímida e retraída, “vestido nos couro” -
sua armadura -, à mão uma “guiada” ou “pau-de-ferro” ou “ferrão”, em
cima do seu cavalo e acompanhado por um inseparável cachorro, lhe dão a
aparência de guerreiro medieval. “Figura eterna vinda do fundo mais
remoto da antiguidade de toda raça humana, atravessando a história,
perpassando séculos e vencendo os milênios” [...] “Contemporâneo de
Abraão, serviu a Hamurábi, arreou o cavalo de Anacreonte e laçou éguas
em parceria com Sócrates” [...] E, segundo ainda o cantador Elomar,
“passados mais de dois mil e trezentos anos, eis aqui entre nós os
últimos vaqueiros do mundo”.
Travaram
e ainda travam lutas que, não raro, podem levar à morte de um dos
contendores ou deixar marcas e seqüelas indeléveis. Mas não transige com
o respeito e a consideração para com o animal. Trata-o e medica-o
quando o fere, logo cessada a peleja ou contenda. E nunca se considera
superior ao animal. Ao contrário, trava uma luta onde reconhece que pode
vencer ou ser vencido. E admite que nem sempre vence. Na relação do
vaqueiro com o boi não há o instituto da superioridade humana.
O
oficio de vaqueiro é de alta sensibilidade e complexidade, com
ensinamentos sendo passados de pai para filho, mas nem todos têm aptidão
para exercê-lo. Porém, desde a década de 1980 vem sofrendo forte
impacto das mudanças no meio rural, e desde essa época já se via na
região de Feira de Santana, vaqueiros motorizados tangendo o gado em
suas motocicletas. Durante nossas pesquisas pudemos constatar o declínio
da profissão entre os mais jovens, com queixa generalizada dos pais de
que seus filhos não queriam aprender e seguir a profissão.
O
vaqueiro é um polivalente: é o lutador, curador (primeiro, por assim
dizer, médico veterinário do sertão), arquiteto, artesão, administrador
etc. Criador de técnicas e conhecimentos diversos em especial na área da
botânica, fitoterapia e do meio ambiente. Seu vestuário é composto de
várias peças6 (assim como os arreios dos cavalos), constitui o
único traje de trabalho do Brasil colônia ainda em uso. É um traje de
trabalho de 464 anos!
Chapéu
de vaqueiro com barbela; peitoral, gibão, jaleco, luvas, perneiras (com
calção em algumas regiões da Bahia), alpercata testeira ou alpargatas
ou sapatos de couro com esporas em metal. Taca, guiada ou ferrão ou
pau-de-ferro, facão, punhal, serrote, relho, cilhas ou peias, chocalho
ou gangolo, careta ou tapa, alforge ou borracha, são os acessórios que
completam o traje dos vaqueiros e não raro um patuá no bolso do jaleco
ou na aba do chapéu.
Portanto,
o mais antigo do país. Apenas esse fato e tudo que ele simboliza já
seria, em nosso entender, suficiente para um Registro Especial como
Patrimônio Nacional.
O
ofício de vaqueiro – que é um símbolo nordestino e brasileiro - é o
grande responsável pela criação de todo um acervo sociocultural que
abrange desde riquíssima variante da língua nacional, singular tradição
oral, vasto conhecimento nos mais variados campos dos saberes e modos de
fazer, depositário de rico repertório cultural e patrimonial, plasmado em seu falar,
técnicas, medicina, botânica, ecologia, manejo com o gado, culinária,
moral, ética, estética, traje, vestimentas e moda; relação com a morte e
a vida; aboios, música, ritos, mitos, suas cosmologias e seus símbolos;
suas crenças e singular religiosidade; seus bens móveis e imóveis,
inclusive conhecimentos arquitetônico e de criação artística – as casas
de vaqueiro da “época dos currais” e as “casas de fazenda”, construções,
tipos de cercas, equipamentos, ferramentas, arte em couro, ferro (em
especial sua heráldica), metais, barro, madeira, palha e utensílios os
mais diversos e de usos variados.
Este
registro do Ofício de Vaqueiro com todo seu rico arsenal de técnicas e
saberes, constituído pela sabedoria e obstinação do vaqueiro sertanejo,
sugere de imediato que a Bahia está preocupada em definitivamente
livrar-se da pecha de ser o estado nordestino que historicamente excluiu
da sua agenda cultural as manifestações da cultura sertaneja; sempre,
de maneira míope, privilegiando sua capital e criando um processo de
colonialismo interno e aculturação empobrecedores, cujas consequências
estão ai aos nossos olhos: exclusão, não pertencimento (não se sentir
baiano), autoestima baixa e por conseguinte vontade de desvinculação.
Mas,
para que tal registro contribua concretamente para um processo de
efetivo reconhecimento das manifestações da cultura sertaneja, faz-se
necessário o imediato estabelecimento de equipamentos e mecanismos, que
ainda não existem, capazes de criar e garantir ações de política
cultural voltadas para esta Bahia histórica e culturalmente tão
desprezada: a Bahia do sertão, de todos os seus vaqueiros e dos mais de
nove milhões de sertanejos.
Como
disse Mangabeira Unger e, se não me falha a memória, também apoiado em
artigo por Antonio Risério, não existirá um Brasil desenvolvido (no
sentido humano deste termo) se não houver um projeto sério e qualificado
para o Nordeste. Em analogia: se a Bahia, em especial Salvador, não
considerar em suas políticas culturais de forma sistemática e efetiva a
rica diversidade cultural do estado e continuar fechada em si, excluindo
o sertão em suas demandas e, mais ainda, sendo preconceituosa e tendo
vergonha de ser a capital do maior estado sertanejo do país, certamente
definhará e isso parece já acontecer, pelo menos com Salvador.
Este
Registro, dos cinco até aqui publicados pelo IPAC, é o único e primeiro
dedicado a repertórios culturais que se encontram fora do entorno da
Baía de Todos-os-Santos. Coincidentemente, enfrentou muitos obstáculos
para formulação do seu dossiê e muito tempo consumiu para ter a
publicação do seu Caderno disponibilizado ao público. Isso, entretanto,
nos faz crer e ter expectativa de que Salvador e a Bahia começam a dar
indícios, ainda que iniciais, de conscientização da importância em se
reparar a injustiça histórica para com a cultura sertaneja e seu rico
patrimônio cultural. O Oficio de Vaqueiro – seus saberes e fazeres,
agora Patrimônio Cultural da Bahia, enfeixa uma parte considerável desse
manancial patrimonial.
Como
foi o vaqueiro o grande iniciador da conquista do território da Bahia e
o homem primeiro e secular a criar os elementos primaciais da cultura
sertaneja, oxalá ele esteja sendo, neste ato, o inspirador e iniciador
de um novo momento para a política cultural da Bahia. Há sofrimento, mas
também esperança.
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