Livro de Frederico Pernambucano de Mello é primoroso e revela as aventuras do sírio que documentou o cangaço no Brasil, em fotografia e cinema
Livro retrata a história do fotógrafo
do bando de Lampião
Foto: BJÁ
Poucos livros já lí com tanto interesse
sobre o Cangaço quanto o trabalho de Frederico Pernambucano de Mello
sobre a trajetória do turco Benjamin Abrahão, fotógrafo e cinegrafista
do bando de Lampião, de outros bandos, do padre Cícero Romão e de
paisagens do sertão brasileiro.
Sempre tive imensa curiosidade sobre o personagem Benjamin Abrahão y
de como ele teria conseguido se aproximar do bando de Lampíão, primeiro e
único fotógrafo-cinegrafista a desfrutar dessa intimidade, ainda mais
sendo estrangeiro e sem conhecer os costumes do Brasil dos anos do
cangaço (1920/1940), do coronelismo e da lei onde imperavam a bala e o
punhal.
Em "Entre Anjos e Cangaços" (Editora Escrituras, 347 páginas) o obstinado professor e pesquisador pernambucano Frederico Mello matou essa minha curiosidade e de milhares de brasileiros, certamente, acrescentando a essa expectativa uma primorosa documentação e descrições do momento político vivido naquela época, o que sempre é pouco ou quase nada relatado nos livros sobre o Cangaço, salvo exceções, os quais, regra geral, se apegam mais aos aspectos dos tipos nordestinos, às vezes folclóricos (hoje, cangaceiro virou uma marca, um marketing do NE) que cuidam mais dos ícones típicos, em sí, e de algumas passagens do coronelismo sem se deter nos aspectos sócio-politicos.
Ainda assim, mesmo em narrativas simplistas (e o cordel também serviu como difusor dessa cultura), implicitamente, mesmos os mais modestos textos descritos desse momento da vida nacional tratassen dessa sociologia popular, na medida em que comentam sobre o homem sertanejo, indumentárias, pobreza, fome, paisagens e assim por diante.
Como é muito extensa a bibliografia sobre o Cangaço e tenho lido compêndios esparsos ao longo dos anos, sem deter-me com mais interesse sobre este tema, "Entre Anjos e Cangaços" deu-me a sensação de que se trata de uma obra com uma abordagem completa sobre o assunto, uma vez que o autor, aproveita-se do personagem principal do ensaio, o aventureiro Abrahão, destemido, ambicioso, quase um louco, para enfrentar um ambiente inóspito à sua realidade asiática, e se aproveita dessa peregrinação e conduz o leitor pelas trilhas dos sertões, o ambiente politico em especial, e narra entre outros compadrios e acertos entre Lampião e o poder dominante.
Narra, por posto, como Lampião e seu bando foram convocados para
participar do combate à Coluna Prestes, por inspiração do poderoso
médico e político baiano que dava ordens nos sertões do Ceará, Floro
Bartolomeu da Costa, o qual, a serviço do Poder Nacional enxerga Prestes
como uma ameaça de comunização do país, o que era, também, de desagrado
do coronelismo.
"Ao se apresentar tardiamente no Juazeiro a 4 de março, à frente de
meia centena de cabras, Lampião causa o maior reboliço. Tardiamente,
sim, porque o grosso da coluna havia deixado o Ceará para trás a 4 de
fevereiro. Lampião impressiona a todos no Juazeiro. Pela cor, pela
calma, pela juventude, pelos modos educados, pela cautela obsessiva.
Olhar bailarino, girando em todas as direções", pincela o autor.
Há, portanto, no livro, descrições de todo um jogo politico na
República Velha e Abrahão, inteligente e sagás, se insere dentro do
messianismo do padre Cícero Romão para também se tornar um personagem
daquela saga romeira em Juazeiro do Norte, Ceará, sendo além de
fotógrafo um conselheiro do padre e herdeiro de seus bens doados pelo
povo do Nordeste.
O livro de Frederico Pernambucano de Mello é envolvente, de enorme
prazer de leitura a cada capítulo, uma aula de história sobre a Velha
(senhora) República, a briga pelo mercado de filmes das primeiras
multinacionais no país, a chegada da Zeiss alemã no Nordeste, as imagens
associadas ao nazismo da Bayer e Cafiaspirina, um caldo de cultura
fantástico que desemboca na represssão getulista, depois aliado do
coronelismo, e na morte (assassinato) de Abrahão, quando Lampião já
estava morto e o ciclo do Cangaço definhou.
Como de antemão o leitor é informado que o sírio fora assassinado vai
tendo uma curiosidade enorme em meados e final do livro para saber como
isso se processará e o autor, perspicaz, reserva para o último capítulo
esse suspense sem revelar os detalhes subsequentes do assassinato, mas,
deixando claro a força dos mandantes.
"Como é possível um estrangeiro, um árabe vindo não se sabe lá de
onde, fazer tanto reboliço no sertão, a ponto de irritar o Catete e
atrair sobre sí e censura do governo federal", eis a questão, o âmago da
morte do sírio.
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