A antropóloga Walquiria Domingues Leão Rêgo testemunhou, nos últimos cinco anos, a uma mudança de comportamento nas áreas mais pobres e, talvez, machistas do Brasil. O dinheiro do Bolsa Família trouxe poder de escolha às mulheres. Elas agora decidem desde a lista do supermercado até o pedido de divórcio.
. Uma revolução está em curso. Silencioso e lento - 52 anos depois da
criação da pílula anticoncepcional - o feminismo começa a tomar forma
nos rincões mais pobres e, possivelmente, mais machistas do Brasil. O
interior do Piauí, o litoral de Alagoas, o Vale do Jequitinhonha, em
Minas, o interior do Maranhão e a periferia de São Luís são o cenário
desse movimento. Quem o descreve é a antropóloga Walquiria Domingues
Leão Rêgo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nos últimos
cinco anos, Walquiria acompanhou, ano a ano, as mudanças na vida de mais
de cem mulheres, todas beneficiárias do Bolsa Família. Foi às áreas
mais isoladas, contando apenas com os próprios recursos, para fazer um
exercício raro: ouvir da boca dessas mulheres como a vida delas havia
(ou não) mudado depois da criação do programa. Adiantamos parte das
conclusões de Walquiria. A pesquisa completa será contada em um livro, a
ser lançado ainda este ano.
MULHERES SEM DIREITOS
As áreas visitadas por Walquiria são aquelas onde, às vezes, as
famílias não conseguem obter renda alguma ao longo de um mês inteiro.
Acabam por viver de trocas. O mercado de trabalho é exíguo para os
homens. O que esperar, então, de vagas para mulheres. Há pouco acesso à
educação e saúde. Filhos costumam ser muitos. A estrutura é patriarcal e
religiosa. A mulher está sempre sob o jugo do pai, do marido ou do
padre/pastor. “Muitas dessas mulheres passaram pela experiência
humilhante de ser obrigada a, literalmente, ‘caçar a comida’”, afirma
Walquiria. “É gente que vive aos beliscões, sem direito a ter direitos”.
Walquiria queria saber se, para essas pessoas, o Bolsa Família havia se
transformado numa bengala assistencialista ou resgatara algum senso de
cidadania.
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