O
pronunciamento da presidente Dilma Rousseff nesta noite de sexta-feira
(21) não trouxe nenhuma novidade a respeito do posicionamento do governo
federal sobre as manifestações de rua.
O mais notável foi seu tom de ameaça em
vários trechos quando falou que o governo não vai “transigir” com atos
de violência. Mas o que fez o governo até agora? Há quase duas semanas
que as principais cidades do país têm ficado paralisadas no final da
tarde.
Como o Brasil é um país conservador, talvez
o pronunciamento da presidente possa ter algum efeito tranquilizador em
parte da população. Foi uma gravação realizada da forma mais
conservadora possível. Em frente a um fundo de madeira, ela usando um
blazer de tom amarelo acabou lendo no teleprompter por 9 minutos e 43
segundos. É uma fala muito longa sob qualquer métrica possível. Mas
Dilma não tinha saída.
Como a presidente nunca dá entrevistas
formais para mídia, quando fala é necessário ficar descrevendo uma lista
sem fim do que considera útil dizer para a população –mesmo que o
governo já gaste mais de R$ 1 bilhão por ano em propaganda.
Em certa medida, o pronunciamento de Dilma
tenta recuperar o tempo perdido por ela nos últimos dois anos e meio.
Sobretudo quando chegou a dizer que vai se esforçar agora para
incentivar uma “ampla reforma política”. Essa expressão “reforma
política” chega a provocar ataques de narcolepsia em quem acompanha o
mundo do poder aqui em Brasília. Basta haver um problema de qualquer
ordem no país que o presidente de turno fala sobre a necessidade de uma…
reforma política. Passa a crise ou arrefecem os seus efeitos, a reforma
política nunca sai.
Por que Dilma nunca falou sobre a
necessidade de uma reforma política antes? Foi pega de surpresa agora?
Em outro trecho do pronunciamento, a
presidente faz uma confusão com algo que ela própria patrocinou. Diz que
a Lei de Acesso à Informação precisa ser “ampliada” para todas as
instâncias de governo. Como assim? A lei já vale para todos os Poderes e
para governos estaduais, prefeituras e União.
Talvez até de maneira inadvertida, Dilma
acabou passando um pito em cadeia nacional de TV em prefeitos e
governadores – que, de fato, cumprem de maneira precária a Lei de
Acesso. E o que dizer da própria presidente, que acaba de decretar
sigilo sobre todas as informações de gastos de suas viagens ao exterior?
Em resumo, quem redigiu e copidescou o
discurso não estava muito familiarizado com o governo de Dilma Rousseff.
E a própria presidente não fez a revisão necessária daquilo que leu no
teleprompter.
Sobre a Copa do Mundo e seus gastos, Dilma
usou outra verdade pela metade para tentar conter a irritação dos
indignados que foram à rua protestar. A presidente afirmou que todos os
gastos para construir estádios e outras obras são empréstimos que serão
pagos pelas empresas e Estados que receberam esse dinheiro. Não é bem assim. Tem muito dinheiro público,
do BNDES, com juros que são subsidiados por todos os brasileiros.
Mesmo que as empresas e Estados paguem
esses empréstimos (se é que vão pagar), terão recebido um grande
benefício por causa dos juros camaradas. E mais: a maioria dos recursos
foi para governos estaduais. Ou seja, se esses governos pagarem, ainda
assim terá sido usado dinheiro público - portanto a presidente
tergiversou ao dizer que não usaria fundos estatais. Já usou.
Dilma também anunciou que convidará
governadores e prefeitos de grandes cidades para aperfeiçoar as
instituições e anunciar novos planos de ação. Por exemplo, o Plano
Nacional de Mobilidade Urbana. Agora? A menos de um ano da Copa do
Mundo?
E os prefeitos e governadores em Brasília?
Esse tipo de reunião é tão improdutiva como a do ministério de Dilma -
que com 39 integrantes precisaria de mais de um dia de reunião se todos
falassem por meia hora.
Tudo considerado, não dá para dizer que
Dilma cometeu o mesmo erro de Fernando Collor (que em 1992 pediu aos
brasileiros que se vestissem de verde e amarelo e todos usaram preto).
Ainda assim, o resultado parece ter ficado longe do que a presidente
precisaria para tentar recuperar a autoridade perdida nos últimos dias.
(Fernando Rodrigues/Revista Veja).
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